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entrevista com o vampiro

Numa poltrona grande e vermelha que se assemelha a um trono, Father Sebastiaan está de frente à câmera.

Havia um sentimento de realeza naquele trono. E como o seu nome, Father, dizia ele tinha sim aquela importância. Afinal, ele não se chamava Father sem motivo, havia criado muitos vampiros. Tanto em Los Angeles, Nova York e em outros países fora dos Estados Unidos. Ele estava todo vestido de preto, e com suas presas que pareciam naturais brilhando entre os lábios. Seu cabelo longo estava preso num rabo de cavalo e ele usava um óculos de armação preta. Tudo sobre Father gritava um mistério e enigma e despertava curiosidade sobre a vida como um vampiro e a cultura vampírica. Quando se apresentou, foi quase intimidador. 

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Father Sebastiaan 
Foto: Father Sebastiaan

Father Sebastiaan começou a sua jornada dentro do vampirismo ao ter o seu primeiro contato com a figura do vampiro em 1993, quando sua mãe disse que o ator Tom Cruise havia sido escalado para interpretar o vampiro Lestat de Lioncourt na adaptação em formato de filme de “Entrevista Com o Vampiro”, da escritora Anne Rice.

Como morava em Nova York, Father começou a ir para alguns jogos de LARP (live action role playing), nessas atividades os jogadores se vestem de acordo com o tema do RPG. O objetivo de Father era simples: conhecer pessoas interessadas na vida como vampiros, se encontrando naquela cultura. Ele relembra como o jogo de tabuleiro ‘Vampire: The Masquerade’, o encantou e que usava do RPG como uma forma de encontrar outras pessoas que gostariam de viver como vampiros. 

Em 1993, sua namorada na época também se interessava pelo arquétipo e o disse que queria que os dois usassem presas nos caninos para o baile de formatura. Os dois fizeram seus respectivos pares de presas em Nova Jersey. E quando Father voltou de viagem, ele procurou o avô, que era dentista. Perguntou sobre a possibilidade de fazer presas como desejava para o baile, o avô negou. Quando perguntou se poderia ensiná-lo, ele disse que não afirmando que aquilo era satânico.

Apesar disso, sua tia sugeriu que fosse atrás de um conhecido que também era dentista para aprender a fazer as presas. Ele foi e depois de um ano e meio, em 1994, Father Sebastiaan já estava moldando e confeccionando presas. Até hoje, eles mantêm contato para discutir técnicas novas. Muitas pessoas que jogavam o RPG queriam ter presas, começando a mostrar uma certa demanda de pessoas interessadas. Porém, só começou a fazer isso profissionalmente em 1995, em convenções de Halloween e boates.

Modelos de presas feitas por Father Sebastiaan

Foto: Father Sebastiaan

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 “Quando eu fiz o meu primeiro par de presas, foi transformador.”

disse Father Sebastiaan, deslumbrado com a lembrança. 

Nos anos 90, a percepção cultural do vampiro estava no seu auge novamente. O jogo de RPG Vampire: The Masquerade tinha acabado de ser lançado, o filme de adaptação do livro da autora Anne Rice de Entrevista Com o Vampiro saiu no ano anterior e o filme Drácula de Bram Stoker do diretor renomado Francis Coppola havia sido lançado em 1992. E em 1997, a série de Buffy: A caça vampiros. 

Importante ressaltar que para Father, o vampirismo não deve ser chamado de comunidade e sim cultura. Nos Estados Unidos, somente algumas pessoas se reunem de forma pública. Nova Orleans, Nova York, Tampa por um período e Los Angeles, são os locais onde a cultura dos vampiros realmente se manifesta. A cultura envolve diversas pessoas e diversos comportamentos, o que se aproxima do que os vampiros tem, e cada pessoa tem uma maneira de viver como vampira. “Eu quero criar uma cultura de vampiros, eu quero música para vampiros, eu quero ópera para vampiros, roupas para vampiros.” Contou. 

Clientes com presas personalizadas e molde dentário.
Foto: Father Sebastiaan

Father Sebastiaan trabalha na arte de fazer presas através do Sabertooth Fangs há 29 anos. As presas são feitas de diferentes formas para cada pessoa. Existem quatro tipos e são feitas sobre a medida pessoal de cada um. Ele é conhecido no ramo e registra alguns dos processos em seu canal de Youtube. Tendo demanda também em países fora dos Estados Unidos, como a França, por exemplo. Para ele, o processo de fazer presas é o ritual de iniciação no seu clã, o Sabertooth Clan. 

Falando em clãs, há diversos deles espalhados, e cada um com suas regras. Hoje em dia, os vampiros são mais unidos, mas já passaram por um período complicado, cheio de discussões internas.

Father Sebastiaan e Rolin Jones, showrunner e desenvolvedor da adaptação de Entrevista Com o Vampiro para a AMC.

Father Sebastiaan e Rolin Jones, showrunner e desenvolvedor da adaptação de Entrevista Com o Vampiro para a AMC.
Foto: Father Sebastiaan

 

Achar pessoas interessadas em viver dentro do arquétipo também foi complicado. No fim dos anos 90 até o começo dos anos 2000, a cultura gótica estava bastante em alta. Apesar de parecer contraditório para muitos, os góticos eram hostis com aqueles que se identificavam como vampiros e zombavam quem usasse presas. Hoje em dia, é diferente, os dois grupos convivem bem e andam juntos. No começo, Father não queria expor publicamente que se identificava como um vampiro, mas em 1996, ele começou a se mostrar dessa forma e convidar outros a fazerem o mesmo. “Sabe aquela cena de ‘A Rainha dos Condenados’? Eu fiz a mesma coisa.” E começou a recitar as palavras de Lestat de Lioncourt que convidava outros vampiros a se mostrarem junto a ele: “Venham, venham de onde quer que estejam’”.

 

“Vou te dar um exemplo do quanto era ruim. Eu estava num mercado, usando calças cáqui e uma blusa (não estava vestido como um vampiro). Tinha uma mãe e um filho na minha frente, e um cara que era bem gótico.” O homem usava pó branco no rosto e óculos de sol. A criança havia perguntado se ele era um vampiro. Father conta que o gótico simplesmente virou para criança, e para imitá-lo, Father Sebastiaan se virou mais próximo para a câmera, colocando o óculos que ele mesmo usava quase na ponta de seu nariz. “Não criança, eu nunca sairia por aí fingindo que sou um vampiro.” Ele disse a resposta com um tom grave imitando o gótico. Father inclusive lembra do episódio de South Park, “O Incastigável”, exibido no ano de 2008. O tema da diferença e rivalidade entre vampiros e góticos foi debatido no humor frio e irônico do programa. 

"Eu acredito numa cultura de vampiros, eu fiz uma carreira em cima disso."

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Na cultura vampírica existem três tipos de organizações básicas, as duas mais importantes são as Casas e as Cortes. As Cortes são baseadas numa divisão geográfica de cada cidade, onde há encontros a cada um a três meses. O propósito desses encontros é integrar as pessoas em um jantar para que elas socializem. As Cortes são semi privadas, e existe uma regra de vestimenta, além disso há um ‘host’, que acompanha.

 

As Casas são subdivisões dentro dos clãs. Em Nova York, no ano de 1998, Father Sebastiaan conta que haviam 30 Casas. Uma casa tem de trinta a quarenta integrantes, e um clã centenas de pessoas. As Casas se assemelham aos covens que é muitas vezes visto na religião Wicca. Por se tratar de poucas pessoas e ser um círculo social mais limitado. O Sabertooth como o nome diz, é um clã, e há casas dentro desse clã. 

O clã de Father Sebastiaan, o Clã Sabertooth, é composto por pessoas que colocam o arquétipo do vampiro presentes nas suas vidas, são pessoas que querem ter as presas feitas por ele. 

 

Para o clã Sabertooth, e para o seu líder Father Sebastiaan, basta fazer as presas com ele. Existe um ritual de transformação que exige comprometimento, entre uma das regras, você é batizado com um nome. E que o último passo é se ver no espelho, que é proibido durante o processo inteiro. “Cada pessoa tem uma reação diferente, algumas pessoas simplesmente ficam encarando o espelho, algumas choram, é diferente para cada um”. Contou. Diversas vezes, Father se refere às presas como retirar uma máscara e assumir a sua verdadeira forma para o mundo.

Father Sebastian garante que o vampirismo não é um culto, e muito menos uma religião. Já que os vampiros têm outras crenças e possuem diversas religiões. O vampirismo trata-se de uma cosmovisão. É uma forma de viver, uma filosofia que busca abrir a visão de mundo dos que escolhem segui-lo. Além disso, o Sabertooth é um “clube de presas”, como Father chama, para o negócio dele. O clã tem um “espírito”, como torcedores de um time de futebol que torna essas pessoas próximas e se unem num círculo social por um interesse em comum. Ao mesmo tempo que serve como um local para socialização, movimenta o seu negócio.

Para entrar no Sabertooth, as presas são o método de iniciação.“Sabe como a Taylor Swift chama o pessoal [fãs] dela de swifties? Eu chamo os meus de Sabertooths.” As presas são o começo, o maior simbolismo dos vampiros. Ir atrás de uma pessoa que faz presas, e conseguir as suas é o primeiro ato para ser um lifestyler. Presas lhe fazem um lifestyler, não um sanguíneo ou psíquico.

As presas são quatro coisas. Primeiro, uma máscara. “Elas são tão reais para você quanto para a pessoa do seu lado que você fica desacreditado. Psicologicamente falando, é uma máscara. Você coloca e acha que pode fazer de tudo.” Acrescenta. A segunda coisa, é um estado de êxtase já que a pessoa com presas muitas vezes se questiona se aquilo é real. Outras pessoas, vêem como a representação de algo primitivo, dependendo da pessoa. E a quarta coisa, voltando na ideia do vampiro erótico, são presas utilizadas como brinquedo sexual. “É o que eu chamo de ato de transformação, as pessoas dizem que não se pode transformar outra em vampiras, mas no momento em que se olham no espelho e se veem com presas, eu penso que sim, transformei alguém.” Pode ser feito quase tudo com as presas, mas, devem ser retiradas quando comer e dormir. Há o risco de quebrar e até engoli-las em ambos os casos. As presas, se bem cuidadas, duram mais de dois anos.

Sobre a sua própria experiência, Father diz que sempre esteve no processo de acordar e se ver como vampiro. Existe muito a se aprender na vida e no vampirismo não é diferente. O seu primeiro mentor o ensinou em 1995 e a seguinte de 1997 até 2017.  Como os dois eram do mesmo círculo, Temple of the Vampire, então as ideias não divergiam tanto.

Às vezes ao pensar na figura do vampiro, pode surgir uma imagem preconcebida de um ser branco e pálido, e isso descartaria a possibilidade de pessoas de diferentes etnias se identificarem com esse arquétipo, ou até mesmo, apreciar os personagens. Father Sebastiaan garante que há sim diversidade de pessoas. Lembra de quando observamos os papeis de vampiros há uma presença de pessoas negras, principalmente hoje em dia. 

A recente adaptação de Entrevista Com o Vampiro  (2022) da AMC, o protagonista Louis foi reescrito como um homem negro, interpretado pelo ator Jacob Anderson. Além disso, a personagem Claudia, filha do casal principal, também é negra, interpretada tanto pela atriz Bailey Bass na primeira temporada (2022), quanto Delainey Harris na temporada seguinte (2024). Além desses dois, o vampiro Armand é interpretado por Assad Zaman, ator com ascendência bangladeshiana. 

Além deles, também temos outros personagens, como por exemplo, a Rainha Akasha de “A Rainha dos Condenados” (2002) interpretada pela cantora e atriz, Aaliyah. No fim dos anos 90, o ator Wesley Snipes interpreta o híbrido de vampiro, Blade, no filme homônimo. Salma Hayek, em Dusk Till Dawn (1996). E também mais recentemente, com a série “What We Do In The Shadows” com um protagonista latino. “Não sei se existe um grupo tão naturalmente diverso quanto o grupo dos vampiros.”

“Não nos importávamos em qual era a sua etnia, seu gênero ou orientação sexual.

A única coisa que costumávamos ligar era se você também amava vampiros.”

Father recorda de estar na sua boate de vampiro em Nova York e que era um lugar bem aberto para todos.

Anos atrás, em 1997, Father Sebastiaan tinha uma boate em Nova York, chamada Long Black Veil, fechada em 2004, e tiveram que fazer vários códigos de conduta, um deles sendo não beber sangue no perímetro da boate.

Father em uma festa do Endless Night Ball. Foto: Father Sebastiaan

Numa comunidade tão diversa, é preciso achar uma forma de uni-los. Para engajar essas pessoas, Father Sebastiaan criou a festa Endless Night. Nessa festa, reúnem diversas pessoas vestidas dentro da temática, a maioria usando presas. O baile  Endless Night de Los Angeles do começo do ano reuniu 1200 pessoas. O código de vestimenta deve ser seguido, e é composto por roupas pretas, com possibilidade de outras cores escuras, como vermelho, roxo e dourado, mas deve ser algo vitoriano. É um evento de vampiros, um evento gótico, não se deve vestir roupa esportiva e muito menos fantasias de halloween. 

 

A diferença entre os bailes e salões, é que os salões são mais intimistas e com menos pessoas, e um evento mais tranquilo. Às nove da noite seria a abertura e hora dos drinks, depois uma leitura de poema e um ritual. Tanto os bailes e os salões são semi públicos e contém regras. Você deve ser maior de idade para poder beber (21 anos nos Estados Unidos e 18 na Europa), já que consumindo uma bebida alcóolica você ajuda com o retorno financeiro da festa. A segunda regra é seguir o código de vestimenta, a diferença das duas festas é que o salão é uma roupa toda preta e o baile é majestoso. 

 

O primeiro baile que Father Sebastiaan marcou sua presença foi o “Anne Rice’s Vampire Ball” em Nova Orleans no ano de 1995, na qual a produtora do filme estava patrocinando. Inclusive a autora estava no portão, dando boas vindas a quem chegava no baile de vampiros inspirado em suas obras. Com essa experiência, Father Sebastiaan decidiu que queria fazer o mesmo mas do seu próprio jeito. “Eu voltei para Nova York e três meses depois eu fiz o meu primeiro baile de vampiros, que eventualmente se tornou o Endless Night.” 

 

Father também levou os bailes com temática de vampiro para outras cidades do mundo, focando na Europa e saindo do eixo estadunidense. “Morei na Alemanha, em Amsterdã e depois em Paris. E Paris foi onde eu realmente me encontrei.” A princípio, ele não encontrou ninguém interessado na cultura vampyrica. “Eu fiz uma [comunidade].” Essa comunidade criada não é diferente da cultura dos Estados Unidos pois tem a mesma base. Father Sebastiaan, tem o maior clã do mundo por ter se espalhado para diversos países. 

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