
a HISTÓRIA DOS VAMPIROS
Os vampiros são criaturas que ao longo dos séculos sofreram diversas mudanças e foram submetidas a diversas interpretações. Hoje, conhecemos o vampiro influenciado pelo goticismo literário, que distorce um pouco do vampiro folclórico.
As histórias mais velhas documentadas da criatura no âmbito mitológico, são datadas do século XII, em russo antigo, onde eram chamados de “Opyr”. Esses seres têm sua origem na Rússia e na Ucrânia.
Ainda nessa região entre os dois países e o Belarus, o vampiro é dito como um espírito-amante. Sempre homens que visitam suas viúvas pela noite. Na Sérvia, o mesmo acontece, e uma criança pode nascer desse encontro, porém, ela nasceria sem ossos e faleceria em seguida.
Na Polônia, por sua vez, o vampiro seduz diversas mulheres somente com o olhar e elas morrem rapidamente após ficarem doentes. Já na Romênia, há o retorno da lenda do vampiro sedutor. O Zburator, é um homem bonito, alto que entra nas casas de diversas mulheres pela chaminé, nisso, os dois acabam passando a noite juntos. A mulher, por sua vez, fica melancólica ou louca após esse encontro e morre.
Como todo folclore, essas histórias foram evoluindo e passaram de geração a geração. Muitos historiadores dizem que o vampiro surgiu inicialmente como uma forma de doutrina cristã, na qual dizia que as pessoas que não fossem batizadas voltariam à vida como demônios, sugadores de alma. Inclusive, existem campos de arqueologia no leste europeu que mostram sepulturas de corpos com armadilhas ao redor do pescoço ou prendendo-lhe os pés ao solo.
Mas, como essa lenda se espalhou pelo continente europeu e se tornou o que conhecemos hoje?

Gabriel Elysio Braga.
Foto: Gabriel Elysio
O historiador Gabriel Braga explica que no século XVIII, as Américas já tinham sido descobertas, o continente africano, mapeado pelo gosto colonizador. Com o sentimento de que o mundo já foi ‘descoberto’ (na época não se enquadrou o continente asiático), eles decidem ir para o leste da Europa.
“Eles percebem que tem um lugar um pouco inexplorado que é o oriente europeu. Aí começam a enviar alguns viajantes, para entender o que se passa nesse território”. Conta o historiador.
Foi nessas viagens que os europeus ocidentais entraram em contato pela primeira vez com o mito do vampiro. A partir daí, esses viajantes levam para o oeste europeu e para as cidades da qual vieram, variações da lenda e a forma no qual entenderam isso. “É interessante como cada lenda era diferente e eles faziam uma salada com elas, e nasce a criatura que influencia até hoje nossa cultura, principalmente a literatura.”
Michael Ranft, um teólogo protestante alemão, escreveu sobre essas criaturas e suas supostas aparições no texto: De Masticatione Mortuorum in Tumulis (Os Mortos Mastigadores em Túmulos), de 1725. Ranft denominava o vampiro como “morto mastigador”. Ele não menciona em nenhum momento o ato de beber sangue, somente roerem suas roupas ou própria carne, por isso o nome mastigadores.
Além disso, no seu caso, usava da histeria dos vampiros como forma de atacar a igreja católica e seus fieis, já que: por qual motivo eles teriam medo de mortos vivos, se eles fazem pessoas mortas de santos?
No final de seu texto, Ranft diz que acredita nesses tais monstros. “O mais interessante é que no final ele tem a conclusão de que sim, existem mortos mastigadores, e ele passa uma lista de como se proteger.” Uma dessas proteções, por exemplo, é a pessoa fazer as pazes com um parente prestes a morrer, porque senão, a alma não irá descansar e ele iria mastigar a própria tumba pensando naquele indivíduo.
Mas também, Ranft acreditava que “a alma da pessoa continuava no corpo até ficar totalmente decomposto” , diz Gabriel. Apresenta-se então o questionamento da época do que é sobrenatural ou não, já que para o alemão, não era nada de paranormal. Para o teólogo, não era algo demoníaco, mas, algo que as pessoas daquela época não compreendiam, e que no futuro, no que seria o nosso atual presente, iriam entender.
A igreja católica logo tomou atenção dessas supostas criaturas aterrorizando a população. Depois das provocações de Ranft, o monge beneditino francês, Antoine Augustin Calmet decide também comentar sobre o assunto no livro: ‘Tratado das aparições de espíritos e de Vampiros ou Morto vivo da Hungria, Moravia e etc.’ de 1751. Nesse texto, Calmet navega em diferentes casos de supostas aparições de vampiros na Europa, e busca entender se eles existem ou não.
Para Calmet, os vampiros poderiam existir, sim, mas não na quantidade de aparições que era relatada. Sendo assim, caracterizava o fenômeno como uma histeria da população, baseada muitas vezes em superstições.
"Muitas vezes os vampiros não eram
referidos como vampiros, e sim espíritos
que precisavam ser exorcizados."
E apesar da lenda ter se espalhado rapidamente pela Europa, a criatura descrita nem sempre foi chamada pelo nome que a conhecemos hoje.
“A palavra vampiro, dentro das minhas pesquisas, foi usada pela primeira vez por um padre italiano chamado Giuseppe Davanzati.” Diz Gabriel.
Ao escrever o livro ‘Dissertação sobre o vampiro’ publicado em 1774, Davanzati não crê em momento nenhum na lenda que estava aterrorizando a população.
Giuseppe diz que na verdade não passa de uma besteira inventada pela população do leste europeu, alegando que “a dieta deles os deixava subnutridos, e passavam a delirar e inventar coisas.” Mas a partir desse documento, ao invés de desmitificar, o padre italiano acaba criando a palavra que irá, de fato, batizar a figura mítica: Vampiro.
Esses supostos vampiros, segundo o padre italiano, deveriam ser investigados, com base nos sinais que ele mesmo relatou: sangue na boca, bochechas avermelhadas, em bom estado de conservação e olhos abertos.
Um caso assim, foi o do agricultor da Sérvia, Petar Blagojevic. Ele caiu de seu cavalo e morreu logo em seguida. Mas, 10 dias depois, foi supostamente visto andando pela vila e pessoas morreram misteriosamente nesse período. Ao desenterraram o corpo, suas unhas estavam “aparentemente maiores, e com sangue na boca” então acreditaram ter sido um caso de vampiro.
Na realidade, o sangue na boca foi resultado do trauma ao ter caído do cavalo e quebrado o pescoço e as supostas vítimas do vampiro, morreram de alguma doença que se instalou na região.
“Muitos falam de tal situação ser um caso de catalepsia, ou que aquilo aconteceu por eles enterrarem as pessoas vivas, outros falam de uma epidemia de raiva. Só que muitos desses fatores [as pessoas da época] já tinham conhecimento.” Logo, na sua visão, já é possível eliminar esses tais diagnósticos para os casos de vampirismo.
A catalepsia, por exemplo, é uma condição na qual os membros ficavam rígidos, impossibilitando o movimento do corpo, prejudicando a fala e em alguns casos, afetando a respiração. Isso causava uma confusão em saber se a pessoa estava morta ou não, e quando ela voltava ao normal poderia, quem sabe, ser dita como morta-viva.
O historiador também conta que eles sabiam das pessoas serem enterradas vivas, e por um período, se instalaram leis obrigando velórios muito longos, de uma semana, para ter certeza que a pessoa não iria voltar para a vida.
Caso fosse identificado um vampiro, esse corpo deveria ser eliminado novamente. Em um desses relatos mencionados temos a clássica forma de execução: estaca no coração com o corpo queimado.
Vale a pena ressaltar um aspecto importante dessa época, buscar entender, numa base existencialista, a seguinte pergunta: O que é a morte? O que define a morte? A maior parte desses relatos de vampiros partem da suposição que uma pessoa voltou à vida.
Inclusive Augustin Calmet, pediu para que não saíssem desesperados atrás de vampiros. Já que, o medo de alguém que supostamente ressuscitava, ameaçava a existência da própria crença cristã, que se baseia na volta após a morte de um indivíduo.

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Dentro desses textos históricos, NUNCA foi mencionado a aversão a objetos religiosos ou alho. O alho, era uma proteção aos maus espíritos, e não aos vampiros. Sendo provavelmente, algo inventado para vampiro literário.

Em sua dissertação, Gabriel Braga aponta que foi quando o periódico Le Mercure Galant publicou um artigo sobre os sugadores de sangue, que foi instalado um medo na região. Antes desse artigo, a França já havia ouvido sobre supostos casos de possessão demoníaca. “No caso dos mortos-vivos, enquanto há um grande esforço por parte dos eruditos em se afastar do sobrenatural, surgem relatos que narram acontecimentos fantásticos, de difícil compreensão no que diz respeito às suas causas. É um desequilíbrio, portanto, entre o projeto que redirecionava os esforços imaginativos para a Natureza, e o que ainda era considerado pensável – podemos dizer também imaginável – por boa parte da população europeia, ou seja, os vampiros.” Escreveu Gabriel.
Depois disso, Marignier, advogado do parlamento de Paris, fez uma carta um ano depois da publicação do artigo sobre vampiros pelo periódico Le Mercure Galant. O advogado na tentativa de também desmistificar os casos de aparições de vampiros, dizendo inclusive que a região do Oriente Europeu era regida pelo signo de Libra. Por causa disso, eram mais propícios a indecisões e delírios. “Ele também dizia que era uma região muito úmida e isso supostamente fazia com que a imaginação da população ficasse pior”.
“Eles acreditavam muito no ocultismo da natureza, mas como já deciframos muitas coisas sobre ela, o que é dito soa anormal. Mas a própria gravidade, entrava nessa coisa oculta da natureza, até ela ser explicada, era algo oculto.” Explica.
Outro fato curioso, é que os relatos não dizem muito sobre possíveis casos de ‘ataques’ feito por mulheres, por vampiras. Historicamente, nos documentos, sempre são figuras masculinas. “Agora, quando vamos para a literatura, o papel da mulher vampira muda muito. No folclore, é baixa, não chega perto a documentação de bruxaria.”
Mas qual o reflexo de todos esses documentos? Como eles influenciam a nossa visão atual do mito do vampiro atualmente?
Para Gabriel, ajuda a enriquecer essa figura. O que temos hoje em dia, muitas vezes deriva do vampiro literário, como O Vampiro de John Polidori (1819) ou A Noiva de Corinto de Goethe (1797) que traz a ideia da imagem anticristã, amoral. Mesmo assim, o conhecimento dos registros dão um ar mais belo e sedutor para as narrativas vampíricas. Para entender de onde vieram as inspirações de Bram Stoker para “Drácula” ou até mesmo para “Carmilla” de Le Fanu. E mais recente, nas Crônicas Vampirescas de Anne Rice, quando há passagens no livro em que Louis de Pointe du Lac, o protagonista de ‘Entrevista Com o Vampiro’ (1976), cita os “irmãos do oriente” mas os caracteriza como estranhos, não falam e são animalescos. Voltando a ideia do vampiro do oriente monstruoso, e o preconceito com as pessoas do leste europeu.